segunda-feira, 16 de julho de 2012

Leitores, hoje vamos ver poemas de Florbela Espanca, poetisa portuguesa que, somente após 18 anos de sua morte, fora reconhecida em cartório como filha de seu pai, João Maria Espanca.


 
Nascida em 08 de dezembro de 1894 em Vila Viçosa, Alentejo, Portugal, Flor Bela de Alma da Conceição Espanca (foto) ou Flor d’Alma da Conceição Espanca (como passou a assinar) foi uma das primeiras mulheres a frequentar o curso secundário em Portugal, fato que era visto com maus olhos tanto por homens quanto por professores.
Aos sete anos de idade Florbela faz seu primeiro poema, A Vida e a Morte, onde a partir deste, fica visível sua preferência a temas recônditos e melancólicos.
Aos 14 anos escreve seu primeiro conto, “Mamã!”, no ano seguinte, perde sua mãe.  
Em 1916 a poetisa inaugura o projeto Trocando Olhares com uma coletânea de oitenta e cinco poemas e três contos, ponto de partida para futuras publicações. No entanto, suas primeiras tentativas em suscitar suas poesias não foram das melhores, tendo assim fracasso. Por outro lado, em 1919, três anos depois, sai sua primeira obra, Livro de Mágoas, que publicara sonetos, onde consegue êxito com cerca de duzentos exemplares vendidos.
Casada aos 19 anos e depois de sofrer as consequências de um aborto, Florbela apresenta os primeiros sinais sérios de neurose.
Depois da morte de seu irmão, Apeles Espanca, em 1917, onde a abala drasticamente, Florbela escreve o conjunto de contos de As Máscaras do Destino, volume publicado postumamente em 1931. Entretanto, sua doença mental passa a agravar bastante.
Depois de duas tentativas de suicídio, e após o diagnóstico de um edema pulmonar, a poetisa perde definitivamente a vontade de viver. Não resistindo à terceira tentativa de suicídio, falece no dia do seu aniversário onde completaria 36 anos, em 08 de dezembro de 1930. A causa da morte foi ter ingerido dois frascos de Veronal.









ALMA PERDIDA


Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma da gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!
Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dor, suavemente…
Talvez sejas a alma, a alma doente
D’alguém que quis amar e nunca amou!
Toda a noite choraste… e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!
Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh’alma
Que chorasse perdida em tua voz!…





DESEJOS VÃOS


Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!
Eu queria ser o Sol, a luz intensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a árvore tosca e densa
Que ri do mundo vão e até da morte!
Mas o Mar também chora de tristeza…
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!
E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras… essas… pisa-as toda a gente!…







CEGUEIRA BENDITA


Ando perdida nestes sonhos verdes
De ter nascido e não saber quem sou,
Ando ceguinha a tatear paredes
E nem ao menos sei quem me cegou!
Não vejo nada, tudo é morto e vago…
E a minha alma cega, ao abandono
Faz-me lembrar o nenúfar dum lago
´Stendendo as asas brancas cor do sonho…
Ter dentro d´alma na luz de todo o mundo
E não ver nada nesse mar sem fundo,
Poetas meus irmãos, que triste sorte!…
E chamam-nos a nós Iluminados!
Pobres cegos sem culpas, sem pecados,
A sofrer pelos outros té à morte!

Florbela Espanca - Trocando olhares - 24/04/1917




HUMILDADE


Toda a terra que pisas, eu q’ria, ajoelhada,
Beijar terna e humilde em lânguido fervor;
Q’ria poisar fervente a boca apaixonada
Em cada passo teu, ó meu bendito amor!
De cada beijo meu, havia de nascer
Uma sangrenta flor! Ébria de luz, ardente!
No colo purpurino havia de trazer
Desfeito no perfume o mist’rioso Oriente!
Q’ria depois colher essas flores reais,
Essas flores de sonho, estranhas, sensuais,
E lançar-tas aos pés em perfumados molhos.
Bem paga ficaria, ó meu cruel amante!
Se, sobre elas, eu visse apenas um instante
Cair como um orvalho os teus divinos olhos!

Florbela Espanca - Trocando olhares - 12/07/1916



A DOIDA


A noite passa, noivando.
Caem ondas de luar.
Lá passa a doida cantando
Que mais parece chorar!
Dizem que doi morte
D´alguém, que muito lhe quis,
Que endoideceu, triste sorte!
Que dor tão triste e tão forte!
Como um dido é infeliz!
Desde que ela endoideceu,
(Que triste vida, que mágoa!)
pobrezinha, olhando céu,
Chama o noivo que morreu
Com os olhos rasos d´água!
E a noite passa, noivando.
Passa noivando luar:
“Num suspiro doce e brando,
Podre doida vai cantando
Que esse teu canto, é chorar!”


Florbela Espanca - Trocando olhares







Vejo-me triste, abandonada e só
Bem como um cão sem dono e que o procura,
Mais pobre e desprezada do que Job
A caminhar na via da amargura!
Judeu Errante que a ninguém faz dó!
Minh’alma triste, dolorida e escura,
Minh’alma sem amor é cinza e pó,
Vaga roubada ao Mar da Desventura!
Que tragédia tão funda no meu peito!…
Quanta ilusão morrendo que esvoaça!
Quanto sonho a nascer e já desfeito!
Deus! Como é triste a hora quando morre…
O instante que foge, voa, e passa…
Fiozinho de água triste…a vida corre…





SUAVIDADE


Pousa a tua cabeça dolorida
Tão cheia de quimeras, de ideal,
Sobre o regaço brando e maternal
Da tua doce Irmã compadecida.
Hás-de contar-me nessa voz tão qu’rida
A tua dor que julgas sem igual,
E eu, pra te consolar, direi o mal
Que à minha alma profunda fez a Vida.
E hás-de adormecer nos meus joelhos…
E os meus dedos enrugados, velhos,
Hão-de fazer-se leves e suaves…
Hão-de pousar-se num fervor de crente,
Rosas brancas tombando docemente,
Sobre o teu rosto, como penas de aves…








Um comentário:

SOSTreinaDor disse...

Excelente blog, Jane! Parabéns!!! Arão oliveira